O misterioso livro de capa dourada
O meu tio Julião era um homem muito misterioso…
não só aos meus olhos mas também aos olhos de quem o conhecia! Tinha um ar
muito sério e não me lembro de algum dia me ter parecido mais novo…parecia usar
sempre aquele fato castanho e aparentar sempre cerca de setenta anos.
Vivia, solitário, num casarão que mais parecia um
castelo… tinha-o herdado de um homem muito rico que segundo dizem deixou-lhe
tudo aquilo por ter uma dívida de gratidão para com ele… Ninguém sabia o que é
que o meu tio lhe tinha feito para acabar recompensado com aquela enorme casa
repleta de obras de arte valiosíssimas e de uma fascinante biblioteca!
Eu, visitava-o muitas vezes mas confesso que não
tinha grande afeição por ele contudo havia uma coisa naquela casa que eu
adorava…era a biblioteca! Para mim poder estar lá uma ou duas horas era o
melhor que me podia acontecer e nisso o meu tio nunca pôs qualquer tipo de
entrave!
Havia lá um livro, de capa dourada, com ar
misterioso, que estava colocado numa prateleira completamente inacessível… e
acredito que tenha sido lá colocado, fora do alcance, propositadamente! A minha
curiosidade sobre aquele livro crescia cada vez que eu lá ia mas faltava-me
coragem para abordar o assunto com o meu tio…Ele era um homem de poucas falas e
para além disso o meu sexto sentido dizia-me que aquele livro guardava algum
segredo que o relacionava!
Uns anos mais tarde o meu tio, já no fim da vida,
ficou gravemente doente e numa das visitas que eu lhe fiz vi que o livro de
capa dourada estava ao lado dele, sobre a mesinha de cabeceira, e nesse preciso
instante o meu coração começou a bater descompassadamente… como se pressentisse
alguma coisa perturbadora! Nesse dia o meu tio já não parecia ter os
setenta anos aos quais eu já me tinha habituado…nesse dia, sem o fato castanho
vestido, ele tinha muitos mais… Falava já com muita dificuldade…arrastando as
palavras como se cada letra estivesse presa a um pedaço de chumbo… por cada
palavra que pronunciava fazia uma longa pausa para poder ganhar fôlego e
pronunciar a seguinte!
- Luísa, nunca te disse isto mas sempre gostei muito de ti! O tempo que me
resta não deve chegar para percorrer novamente esta casa de uma ponta à outra…
mas isso agora também não importa nada…porque tenho um presente especial para
ti!
- Mas Tio…
Luísa tentou evitar que ele dissesse alguma coisa que estivesse além do que
ela estava preparada para ouvir mas a força daquela cruel realidade impediu-a
de dizer fosse o que fosse…
- Não…não digas nada! Este livro é para ti e quando o abrires irás perceber
muitas coisas…sobre mim… e sobre a vida!
Tremula, Luísa, pegou naquele livro … nunca imaginando
que o peso dele fosse tão indesejável!
Em silêncio e verdadeiramente comovida depositou um
carinhoso beijo na testa do tio desejando poder dizer-lhe algo mas nada lhe
ocorreu…
Nesse dia e nos dias que se seguiram não abriu o
livro… a curiosidade que outrora teve sobre ele desapareceu dando agora lugar
ao receio … se pudesse… voltava a coloca-lo novamente naquela prateleira
inacessível da biblioteca…
Quatro dias mais tarde enquanto os sinos anunciavam o
desfecho da história de um homem solitário… as lágrimas de Luísa rolavam-lhe
sobre a face enquanto se detinha numa carta encontrada entre as páginas do
livro de capa dourada…inesperadamente todo em grafia Braille!
“…Quis o destino que eu explorasse a Grafia Braille para levar a alguns dos
que não podiam ver… a magia da cor, a maravilha das formas e a plenitude que
reside no invisível!
Sim, Luísa… São essas coisas que dão magia à vida! O homem que me deixou a
casa da biblioteca, que tanto gostas, e que agora será tua, era muito rico mas
era cego! Eu…traduzi-lhe em Braille um sem número de obras literárias… para que
ele pudesse maravilhar-se com o sublime que também existe para além do que os olhos
alcançam…”
Autor: Alice Costa
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