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quinta-feira, 18 de maio de 2017



O misterioso livro de capa dourada






     O meu tio Julião era um homem muito misterioso… não só aos meus olhos mas também aos olhos de quem o conhecia! Tinha um ar muito sério e não me lembro de algum dia me ter parecido mais novo…parecia usar sempre aquele fato castanho e aparentar sempre cerca de setenta anos. 
     Vivia, solitário, num casarão que mais parecia um castelo… tinha-o herdado de um homem muito rico que segundo dizem deixou-lhe tudo aquilo por ter uma dívida de gratidão para com ele… Ninguém sabia o que é que o meu tio lhe tinha feito para acabar recompensado com aquela enorme casa repleta de obras de arte valiosíssimas e de uma fascinante biblioteca!
     Eu, visitava-o muitas vezes mas confesso que não tinha grande afeição por ele contudo havia uma coisa naquela casa que eu adorava…era a biblioteca! Para mim poder estar lá uma ou duas horas era o melhor que me podia acontecer e nisso o meu tio nunca pôs qualquer tipo de entrave!
     Havia lá um livro, de capa dourada, com ar misterioso, que estava colocado numa prateleira completamente inacessível… e acredito que tenha sido lá colocado, fora do alcance, propositadamente! A minha curiosidade sobre aquele livro crescia cada vez que eu lá ia mas faltava-me coragem para abordar o assunto com o meu tio…Ele era um homem de poucas falas e para além disso o meu sexto sentido dizia-me que aquele livro guardava algum segredo que o relacionava!
     Uns anos mais tarde o meu tio, já no fim da vida, ficou gravemente doente e numa das visitas que eu lhe fiz vi que o livro de capa dourada estava ao lado dele, sobre a mesinha de cabeceira, e nesse preciso instante o meu coração começou a bater descompassadamente… como se pressentisse alguma coisa perturbadora! Nesse dia o meu tio já não parecia ter os setenta anos aos quais eu já me tinha habituado…nesse dia, sem o fato castanho vestido, ele tinha muitos mais… Falava já com muita dificuldade…arrastando as palavras como se cada letra estivesse presa a um pedaço de chumbo… por cada palavra que pronunciava fazia uma longa pausa para poder ganhar fôlego e pronunciar a seguinte!

- Luísa, nunca te disse isto mas sempre gostei muito de ti! O tempo que me resta não deve chegar para percorrer novamente esta casa de uma ponta à outra… mas isso agora também não importa nada…porque tenho um presente especial para ti!

- Mas Tio…

Luísa tentou evitar que ele dissesse alguma coisa que estivesse além do que ela estava preparada para ouvir mas a força daquela cruel realidade impediu-a de dizer fosse o que fosse…

- Não…não digas nada! Este livro é para ti e quando o abrires irás perceber muitas coisas…sobre mim… e sobre a vida!

     Tremula, Luísa, pegou naquele livro … nunca imaginando que o peso dele fosse tão indesejável! 
     Em silêncio e verdadeiramente comovida depositou um carinhoso beijo na testa do tio desejando poder dizer-lhe algo mas nada lhe ocorreu…
     Nesse dia e nos dias que se seguiram não abriu o livro… a curiosidade que outrora teve sobre ele desapareceu dando agora lugar ao receio … se pudesse… voltava a coloca-lo novamente naquela prateleira inacessível da biblioteca…

     Quatro dias mais tarde enquanto os sinos anunciavam o desfecho da história de um homem solitário… as lágrimas de Luísa rolavam-lhe sobre a face enquanto se detinha numa carta encontrada entre as páginas do livro de capa dourada…inesperadamente todo em grafia Braille!

“…Quis o destino que eu explorasse a Grafia Braille para levar a alguns dos que não podiam ver… a magia da cor, a maravilha das formas e a plenitude que reside no invisível!
Sim, Luísa… São essas coisas que dão magia à vida! O homem que me deixou a casa da biblioteca, que tanto gostas, e que agora será tua, era muito rico mas era cego! Eu…traduzi-lhe em Braille um sem número de obras literárias… para que ele pudesse maravilhar-se com o sublime que também existe para além do que os olhos alcançam…”


 Autor: Alice Costa



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