Pedro Barroso - Agora nunca é
tarde
Cada um de nós nasce com um artista lá dentro.
Um poeta,
um escultor, um aventureiro...
um
cientista, um pintor, um arqueólogo, um estilista, um astronauta, um cantor, um
marinheiro.
E o sonho e
a distância, e o tempo e a saudade deram-nos vida, amor, problemas, mentiras e
verdade; e damos por nós mesmos descobrindo que agora, se calhar, já é um pouco
tarde.
E nas
memórias velhas e secretas da menina morou sempre aquele sonho de um dia ser...
bailarina,
atriz, modelo, princesa, muito rica; eu sei lá!
Mas os anos
correram num assombro, e a vida foi injusta em qualquer jeito para a chama
indelével que ainda arde.
E os filhos
são bonitos no seu peito.
Pois é...
mas
agora...
agora já é
tarde.
E nos
papéis antigos que rasgamos há sempre meia dúzia que guardamos.
São os
planos da conquista do Pólo Norte que fizemos aos sete anos, escondidos no
sótão uma tarde, e estiveram perdidos trinta anos.
E agora, se
calhar, maldita sorte!
Por
desnorte, acaso ou esquecimento, alguém já descobriu o Pólo Norte e agora...
agora
pronto, agora já é tarde.
Há sempre
nas gavetas escritores secretos, cientistas e doutores, desenhos e projetos
construtores feitos em meninos de tudo o que sonhámos fazer quando fosse a
nossa vez!
Cientistas
em busca de Plutão, arqueólogos no Egipto, viajantes sempre sem destino,
futebolistas de sucesso no Inter de Milão.
E o curso
da vida foi traidor, e o curso da vida foi cobarde, e o ciclo do tempo
completou-se, e agora...
e agora
pronto, paciência, agora já é tarde...
Agora é
tarde.
Emprego,
casa, filhos muito queridos, algum sonhar ainda com amigos, às vezes sair,
beber uns copos p'ra esquecer ou p'ra lembrar, e fazer ainda um certo alarde,
talvez para esconder ou para abafar, como é já tão demasiado e tão
impiedosamente tarde...
Não...
mas não,
não; nunca é tarde para sonhar!
Amanhã
partimos todos para Istambul, Vladivostock, Alasca, Oslo, Dakar!
Vamos à
selva a Timor abraçar aquela gente e às montras de Amsterdam (que eu afinal
também não sou diferente).
Chegando a
Tóquio são horas de jantar, depois temos de voltar a Bombaim, passando por
Macau e Calcutá, que eu encontro Portugal em todo o lado e mesmo fugindo nunca
saio de mim.
E se esse
marinheiro, galã, aventureiro, esse, que já não há, pois que me saiba cumprir
com coerência, nos limites decentes da demência, nos limites dementes da
decência; e cumpramo-nos todos, já agora, até ao fim, no que fazemos, na
diferença do que formos e dissermos!
E
perguntando, criando rebeldias, conferindo aquilo que acreditamos e que ainda
formos capazes de sonhar!
E se
aquilo, aquilo que nos dão todos os dias não for coisa que se cheire ou nos
deslumbre, que pelo menos nunca abdiquemos de pensar com direito à ironia, ao
sonho, ao ser diferente.
E será
talvez uma forma inteligente de, afinal, nunca...
nunca,
nunca ser tarde demais para viver, nunca ser tarde demais para perceber, nunca
ser tarde demais para exigir, nunca ser tarde demais para ACORDAR.
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