O relógio mágico
Quando eu
entrava naquela enorme casa, quase sem querer, o primeiro sítio onde me dirigia
era para a enorme sala de estar, com vista para o jardim…
Numa das
paredes, dessa sala, havia um relógio de parede entre fotografias de parentes
que eu nunca tinha conhecido e de outros que habitavam na minha alma…
Bisavós, Avós e algumas tias e tios…Alguns deles eu sabia que ainda estavam ali comigo…Mesmo
que só eu os sentisse!
Mas ali havia
muito mais do que as memórias representadas por todas daquelas fotografias…
Quando eu ali
entrava aquele relógio recuava no tempo e parava sempre num dos dias felizes
que eu, ali naquela casa, tinha vivido…
Não era eu
que escolhia o dia era ele…o relógio!
Por isso é
que eu o chamava de…Relógio mágico!
Naquele dia, parou
a…14 de Maio de 1972…
Eu, pronta na
sala, com apenas oito anos, vestia o meu vestido cor de coral…com folhos nas
mangas…. Os sapatos pretos de verniz eram os meus preferidos!
Era domingo…Um
domingo de primavera! Aquele, maravilhoso, aroma do campo não se comparava a
nada!
Ao domingo lá
em casa não havia “nada”…à exceção do aroma a bolo de laranja que se
intensificava à medida que ia cozendo…e das minhas secretas aventuras com o
farrusco!
O relógio
mágico marcava agora 10:08 e eu já pronta, para mais um dia de domingo, saí
para o jardim à procura do farrusco …
O farrusco
era o nosso cão! Não tinha Pedigree mas nunca precisou disso!
Eu quase
sempre o pisava…Estava sempre, ali, na soleira à minha espera!
A cada manhã olhava-me
fascinado como se eu fosse uma verdadeira Princesa…
Adorava-o!
Era tão peludo
que eu quase não lhe via os olhos e quando o abraçava nunca, mas nunca, me
cheirou a cão…
Quando ele
olhava para mim daquela maneira eu já sabia o que lhe ia na alma…
Nós falava-mos
com o olhar!
E era ali que
tudo começava…A nossa corrida de domingo!
Instintivamente
começava-mos a correr e com todas as nossas forças dava-mos uma volta aquela
enorme casa!
Nunca um de
nós ganhou ou perdeu aquela prova pois chegava-mos sempre ao mesmo tempo ao
ponto de partida…Incrivelmente nem um segundo a mais ou a menos!
Ele e eu a
ofegar como dois náufragos…estava-mos felizes!
Entretanto
chegou a hora de almoço! E eu, apressada, enquanto com a mão limpava os sapatos
para devolver o brilho ao verniz o farrusco encostava a sua cabeça às minhas
pernas num gesto único de cumplicidade…
Iria-mos
partilhar o trofeu…
Bolo de
laranja ao almoço!
Texto de : Alice costa